segunda-feira, 17 de março de 2014

EMPREENDEDORISMO SOCIAL: ARRISCAR NUMA ÉPOCA DE DESCONFIANÇA


Atualmente, esta é uma das palavras mais referidas como forma de escapar à crise. Por todo o lado nos incitam a tomar nas nossas mãos a criação do próprio emprego.
                E como podemos arriscar quando todos os dias somos bombardeados com notícias de fecho de empresas? Como arriscar quando as notícias destacam e empolam muito mais os insucessos que os sucessos? E a nossa autoestima é um alvo à espera da destruição.
                Pessoalmente, gostaria de poder desenvolver a minha própria ideia de negócio, até porque sei concretamente o que quero e o que não quero na minha hipotética empresa. Mas como concretizar esta ideia sem a ajuda de um sistema bancário que quer garantias exacerbadas face ao valor dos empréstimos? E quem empresta dinheiro a um desempregado quando este pretende criar o seu próprio negócio? Quem “arrisca” colocar quantias substanciais nas mãos de um homem ou mulher que apenas tem como garantia o “saber fazer”?
                Para provocar uma rutura neste sistema estagnado teremos de passar inevitavelmente por uma cultura de iniciativa.
                Durante os anos 30 do século passado viveu-se na Europa a primeira crise à escala mundial, consequência do crash bolsista de 1929 em Nova Iorque. A saída da crise passou, nos EUA, pelo “New Deal” e na Europa, por um reforço de medidas de proteção social. Mas a Europa veria ainda mais agudizar-se a sua situação com a Segunda Guerra Mundial.
                No final da guerra, a Europa destruída encetava um caminho de reconstrução onde os empreendedores foram fundamentais. Arriscar numa época de crise foi uma das formas mais eficazes para a Europa se reerguer.
                Então, porque tememos tanto atualmente arregaçar as mangas e encetar novos projetos?
                Todos sabemos que o empreendedorismo é o principal fator promotor do desenvolvimento económico e social de um país. Identificar oportunidades e conseguir transformá-las num negócio lucrativo é o papel do empreendedor.
                O empreendedor deve ter como característica básica o espírito criativo e de pesquisa. Deve continuamente procurar novos caminhos e novas soluções, alicerçando-se numa constante preocupação com a melhoria do produto final. O empreendedor não pára, não estagna no tempo. Acompanha as frenéticas mudanças e reage por antecipação, sem nunca descorar uma pesquisa consolidada e uma exaustiva avaliação dos riscos, dos pontos fortes e pontos fracos. O empreendedor caminha, de mão dada, com o marketing e as relações humanas. Olha a inovação sem receio de ficar desatualizado porque a sua meta é uma busca de constantes transformações sonhando com a perfeição. No entanto, tem consciência que a perfeição é uma espécie de mito do eterno retorno e nunca está terminada. Mas não desiste na sua busca incessante. É este o seu néctar, o seu alimento, que o faz ressurgir das cinzas a cada insucesso.
                Então, se todos sabemos que nos empreendedores está o segredo do motor de uma civilização, porque lhe damos (Estado e Sociedade) tão pouco apoio? Porque os incentivamos tão pouco?
                Positividade, organização, criatividade e inovação são qualidades que não faltam ao povo português. Mas será que temos a disposição necessária para assumir os riscos? O empreendedor é aquele que tem esta capacidade de os assumir e de os conseguir vencer.
                O Prémio Nobel da Paz Muhammad Yunus, que conheci pessoalmente durante uma visita que fez a Portuga, foi o incitador de enormes mudanças da minha perspetiva pessoal face ao mundo empresarial (conceitos como crédito sem garantias, crédito sobretudo a mulheres num contexto muçulmano, crédito num espírito de grupo e entreajuda e tudo isto com taxas de recuperação de capital próximas de 100%). Assumindo a incapacidade da participação do estado no fomento do empreendedorismo, Muhammad Yunus defende a empresa social como uma das formas eficazes de criação daquilo que todos sonhamos: um mundo sem pobreza.
                Quando conhecemos, com algum detalhe, esta revolução que o microcrédito vem concretizando, seja no país berço de Yunus, o Bangladesh, seja um pouco por todo o mundo, começamos a olhar duma forma diferente e tomamos consciência de que vivemos num mundo norteado por um capitalismo selvagem e total ausência de valores. Há que fazer diferente. E como? Devemos assumir-nos, enquanto sociedade, como incapazes de liderar este processo de mudança?
                Cada vez mais acredito que não… A mudança passa pela sociedade civil. Pela forma como esta reage às crises e acorda para as necessidades daqueles que nos rodeiam. O segredo está no empreendedorismo social.
 Neste contexto, o empreendedor tem como objetivo a maximização deste capital social (o poder da capacidade humana) desenvolvendo programas, iniciativas e ações para que a sua comunidade, região ou país se desenvolvam de forma sustentável. A mais eficaz é fomentando a participação no “espaço público” a todos, mesmo aos que se encontram em situação de exclusão ou de risco.
O empreendedor social utiliza técnicas de gestão, inovações produtivas, utilização sustentável de recursos naturais e muita, muita criatividade para fornecer produtos e serviços que possibilitem a melhoria das condições de vida.
A lógica da ação visa promover a autonomia e responsabilidade dos destinatários, sendo que estes também devem ter um papel ativo e participante na própria ação. Mais do que “dar o peixe” é ensinar a pescar. O grande objetivo é superar os desafios sociais e por isso é fundamental a sustentabilidade. A sustentabilidade financeira deve ser mais do que uma preocupação de sobrevivência, deve ser um fim em si, um requisito basilar para nortear a existência do projeto.
Como Florence Nigthingale, uma das primeiras empreendedoras sociais durante a Segunda Guerra Mundial, devemos perder o medo e deixar de nos isolarmos nos nossos próprios infortúnios, trabalhando em equipa, arriscar de forma sustentável e sustentada, tendo o bem comum e a felicidade do outro como meta. Porque nenhum de nós é feliz, ainda que tenha um enorme espólio ou bens materiais, se estiver sozinho.
É assim que eu vejo o empreendedorismo e o seu benefício para toda a comunidade, pelo que esta tem todas as razões para o estimular e apoiar.



Maria Helena Peixoto

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